Porto digital

Porto Digital: Um case de sucesso tecnológico para Pernambuco.

Há muitas razões para que algumas áreas de uma cidade se deteriorem e outras se dinamizem, incluindo questões econômicas, urbanísticas, sociais e culturais, além da aleatoriedade. Entender essas dinâmicas — e, mais do que isso, minimizar as chances de deterioração e favorecer a dinamização de áreas urbanas é um tema recorrente no urbanismo, uma vez que há o desejo, comum e legítimo, de se viver em ambientes belos, agradáveis e prósperos.

Na literatura acadêmica, há razoável convergência sobre os atributos favoráveis ao dinamismo urbano: diversidade de usos; fachadas térreas ativas; quadras curtas; testadas de lote estreitas; densidade equilibrada de pessoas; manutenção da escala do pedestre; permeabilidade visual; conforto ambiental; acessibilidade; e diminuição da velocidade do tráfego. Há convergência também quando o assunto é Economia Urbana e Regional, segundo o qual a concentração das firmas levam a Economias de Escala e Economias de Aglomeração. Com as Economias de Escala, também conhecidas como “retornos constantes de escala”, as empresas se tornam mais eficientes em grandes escalas de produção, produzindo mais produto por unidade de insumo do que em escalas menores. Ou na melhor, as economias de escala refere-se quando em certos lugares as atividades econômicas adquirem ganhos de produtividade dos fatores de produção proporcionais ao decréscimo dos custos unitários da produção. Essas Economias de Escala, favorecem a formação de grandes empresas, que, são originadas fundamentalmente da divisão social do trabalho (especialização, destrezas e produtividade), ao passo que as Economias de Aglomeração capturam os benefícios usufruídos por numa empresa quando ela se localiza junto às demais empresas de um mesmo setor ou setor correlato. Esses benefícios incluem o potencial de economia nos custos dos insumos, bem como os ganhos de produtividade um fenômeno de aglomeração de unidades produtivas em certas cidades de um perímetro urbano, em que as firmas gozam de economia de escala por estarem próximas. A partir desses elementos, surgem ideias e propostas de intervenção.

Entretanto, quando a discussão se dá somente pela perspectiva do urbanismo, permanece uma lacuna sobre a função socioeconômica que a área de intervenção passará a desempenhar na cidade. Propostas idealizadas sobre áreas de lazer ou culturais, muitas vezes, não advém de um estudo sobre as necessidades reais da economia urbana. Assim, esses projetos tendem a um rápido declínio ou demandam um eterno investimento governamental para se manterem ativos.

História e Desafios no Recife e em Olinda

Com a ocupação holandesa, no século XVII, houve um processo de urbanização da região do entorno do porto, denominada Bairro do Recife, com um conjunto de melhoramentos feitos pelos holandeses, habituados a urbanizar áreas baixas, conectadas às águas do mar. A cidade do Recife cresceu e se desenvolveu a partir do porto e, em 1827, se tornou a capital da província. Mais tarde, por limitações de calado, as atividades portuárias de maior porte foram transferidas, na década de 1970, para o porto de Suape. Com isso, o Bairro do Recife perdeu sua centralidade econômica, levando à deterioração dessa fração urbana.

O Caso de Sucesso do Porto Digital

Nas décadas de 1980 e 1990, a prefeitura do Recife chegou a implementar diferentes planos de reabilitação e de revitalização do Centro Histórico, mas as intervenções não se sustentaram no tempo. Até que, no ano 2000, o Governo do Estado, por meio de uma operação envolvendo as esferas pública, privada e acadêmica, concebeu e implementou o Porto Digital, um parque tecnológico para atrair investimentos na área da tecnologia da informação, visando ao desenvolvimento econômico e à requalificação urbana do bairro do Recife.

Fatores-Chave para o Sucesso do Porto Digital

Embora o tema de tecnologia não tenha sido, à época, selecionado com base em estudos de viabilidade, a escolha acabou atendendo a dois critérios fundamentais para o desenvolvimento econômico de uma área, a partir de um cluster de conhecimento: i) adequação tecnológica e de conhecimento; e ii) atividades de menor concorrência na região.

O primeiro aspecto foi contemplado pela parceria, desde o início do projeto, com o Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco. Já o segundo aspecto foi mérito da visão dos fundadores, que vislumbraram no tema de tecnologia, bastante incipiente à época, uma oportunidade de exploração econômica, enquanto outros estados do Nordeste focavam em desenvolver clusters de produção de grãos, frutas tropicais e turismo.

Dentre as razões para a escolha do cluster de tecnologia estava também a capacidade de geração de empregos diretos associados ao parque tecnológico, além do fluxo de pessoas com renda para a área — demandando serviços complementares. Foram identificadas três dimensões para explicar os resultados do projeto: i) jurídico-institucional; ii) econômico-financeira; iii) urbanística.

Na dimensão jurídico-institucional, destaca-se a governança do projeto que, desde o início, estabeleceu-se por meio da criação do Núcleo de Gestão do Porto Digital (NGPD), qualificado como uma Organização Social (OS) — um tipo de entidade privada, sem fins lucrativos, pela qual serviços sociais e científicos prestados diretamente pelo Estado são transformados em entidades públicas não-estatais.

Por esse arranjo, os entes governamentais têm participação no conselho administrativo da OS até um limite de 40% dos assentos, característica que concede independência da entidade em relação às diferentes gestões que assumem os governos nas três esferas administrativas. Esse arranjo institucional permite ao NGPD manter uma capacidade decisória independente, além de possibilitar a captação de recursos privados e o estabelecimento de parcerias.

Na dimensão econômico-financeira, o Porto Digital recebeu um aporte inicial do Governo de Pernambuco no montante de R$ 33 milhões, em valores da época. Também recebeu a concessão de edifícios pertencentes ao estado e que estavam desocupados. Com esses recursos, realizou a recuperação de edifícios históricos, mantendo suas características originais, mas reforçando suas infraestruturas elétrica e lógica, garantido, assim, o acesso à energia e à internet segura e de qualidade para as empresas que ali se instalavam. A receita proveniente do aluguel dos imóveis se tornou o principal meio de sustentação financeira do NGPD.

Na dimensão urbanística, as melhorias implantadas em diversas ruas do centro propiciaram a instalação de serviços complementares à atividade do cluster, além do turismo que se implantou na área graças aos edifícios históricos recuperados. Observou-se uma substantiva geração de postos de trabalho — cerca de 15 mil, dos quais mais de 60% ocupados por jovens entre 20 e 30 anos de idade — fator decisivo para a dinamização urbana do bairro do Recife. Por exemplo, levantamento feito em 2021 apontou que 86% dos trabalhadores do Porto Digital almoçavam todos os dias nos restaurantes da região, segmento que representa 37% do setor de serviços no bairro.

Em síntese, ao longo de 22 anos de operação, o Porto Digital parece ter conseguido cumprir ambos os objetivos a que se propôs: fomentar o desenvolvimento econômico, por meio da geração de negócios, emprego e renda, e o desenvolvimento do território, por meio da recuperação de imóveis históricos e do aumento da dinamicidade da região.

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